A Catarina Pediatra que tem mãe Pediatra.
By Cristina Bastos On 24 Junho, 2019 2019 | Momentos Comentários fechados em A Catarina Pediatra que tem mãe Pediatra. Etiquetas:sliderVem muitas vezes à sala de estar buscar os seus pequenos. Outras vezes aguarda, como que meio distraída, por eles à porta, não vá parecer-lhes que é importante demais esta ida ao consultório.
Usa a bata como se fosse um adereço de vestido, não a impondo como um obstáculo à empatia que cria tão naturalmente. Na verdade ela recebe os pequenos que levam à Pediatra os seus bonecos.
É por aí que Catarina começa sempre, a auscultar peluches e bebés de borracha, é assim que contínua com eles e se mantém, coerentemente, até ao fim de cada consulta. Nunca olha para o relógio, nunca troca um nome a uma criança, faz perguntas aos pais muito pouco inquisitórias e o foco do seu olhar está sempre mais abaixo, nos pequenos. Nas suas consultas os pais não são ignorantes, nem irresponsáveis e as crianças nem gordas ou demasiado magras, mimadas ou com mau feitio. Catarina é Pediatra no Hospital da Estefânia e dá consultas privadas na Clínica da Mãe e da Criança, na verdade, é médica de crianças e dos pais delas, porque entende que uma criança feliz precisa de ter pais felizes.
Pediatra há 12 anos, Catarina Gouveia teve forte base de inspiração. É filha de peixes, mãe Pediatra e o pai Internista. Agora também peixe dentro de água, Catarina sabe nadar.

Créditos Just News
Filha mais velha de duas irmãs nascidas quase de seguida, Catarina nasceu em abril de 1973. Nessa altura pôde ficar aos cuidados da mãe apenas nos primeiros 15 dias de vida, licenças de maternidade eram regalias que não se conheciam e por isso a mãe Maria do Céu Machado regressou às urgências onde trabalhava 24 horas seguidas como Pediatra. Mãe pela primeira vez, mas a sedimentar-se profundamente na sua carreira, Maria do Céu, a cuidadora profissional dos pequenos dos outros, delegava agora à mãe, Zi, e à empregada que já a criara, a tarefa de cuidarem da sua Catarina.
Catarina não culpou a Pediatria nem a Medicina, isso é certo, porque chegada a altura de se candidatar à Faculdade, escolheu a Escola que também era da mãe, a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Se a escolha do curso era certa na cabeça de Catarina, a sua admissão não lhe era assim tão garantida, pensou. No ano em que se candidatou à Faculdade havia entrevistas de admissão. A ideia tinha sido trazida por João Lobo Antunes, dos tempos em que vivera nos EUA. O Professor, na altura também Presidente do Conselho Científico da FMUL, pedia que cada candidato apresentasse um trabalho e que o debatesse posteriormente em entrevista. Acreditava que um aluno não deveria ser admitido apenas pela sua média final, mas por reunir um conjunto de características que o destacassem como tendo um perfil certo de médico. Catarina fez um trabalho e debateu-se por ele na apresentação. Conta a mãe, que é sempre protetora até ao fim da vida de um filho, que a sua Catarina “que nem dezoito anos tinha, se sentiu intimidada na entrevista”. Achou que não ficara apurada, enganou-se redondamente.
Depois de 6 anos de curso e de 6 de especialidade, a filha de Pediatra era agora Pediatra pelo seu pé, sem heranças, nem contactos privilegiados.
Atualmente a trabalhar na área da infeciologia, com especial interesse pela bacteriologia e micologia clínica, dedica-se também à Medicina do Viajante. Foi o mestrado de microbiologia no Instituto de Medicina Molecular em 2010, sobre doença invasiva por S. aureus na idade pediátrica, que tornou determinante a sua forma de ver a infeciologia. As infeções osteoarticulares e as bactérias multirresistentes roubam-lhe hoje especial atenção, uma vez que me explica que “a multirresistência é um problema grave e emergente, para o qual temos poucas alternativas terapêuticas”.

Maria do Céu Machado com todos os netos
Mãe de 3 filhos com 17, 15 e 10 anos, diz-me que por agora nenhum deles quer seguir as suas pisadas, apontam mais caminho para a matemática e a mãe reforça o apoio!
Foi assim que conheci a Catarina, apenas enquanto Pediatra. Mas num mês em que a Faculdade se despediu numa última lição da mãe Maria do Céu Machado, pedi se me deixava falar da Catarina que é filha de peixe.
Ela acedeu.
No dia da última lição, mãe e filha encontraram-se pela primeira vez na casa de banho. A mãe acabara de se retocar, a filha acabava de chegar. “Bom dia, Maria do Céu”, disse com um sorriso e sem mais demoras. Trocaram poucas palavras, mas estiveram sempre próximas uma da outra, do começo ao fim.
Desde os tempos de aluna Catarina Gouveia deixou sempre claro que queria ser respeitada por si só e não pelo código genético que carregava, mas hoje falamos um pouco dele porque ele também explica quem ela é.
Quando escolheu Medicina já queria ser Pediatra?Catarina Gouveia: A escolha pela Medicina foi uma escolha natural, foi crescendo, mas só a interiorizei aos 16 anos. A especialidade foi mais difícil, gostava de quase tudo! As áreas que me atraiam eram a Infeciologia e a Hematologia. Contudo, tive medo da especificidade e optei por áreas mais abrangentes. Até ao dia da escolha disse aos meus pais que iria ser internista, mas no final acabei por optar pela pediatria, para alívio da minha mãe. As crianças fascinam-me!
Foi a mãe que a inspirou ou era uma inevitabilidade nada ligada à genética?
Catarina Gouveia: Cresci a ouvir estórias de medicina, o que certamente influenciou a minha escolha. Os exemplos são importantes e a genética também deve ter o seu papel. A minha irmã por exemplo sempre odiou que se falasse de medicina em casa, o que era, isso sim, uma inevitabilidade!
Nas provas de acesso para entrar em Medicina nunca quis dizer que tinha os pais médicos, porquê? Ao longo do curso falou pouco deles?
Catarina Gouveia: Gosto de manter a minha identidade e não gosto da exposição pessoal. Nunca gostei que me apresentassem como filha de… Hoje, posso falar de mim e dos meus pais porque já estou crescida e fiz o meu percurso.
Ter uma mãe Pediatra que é uma referência nacional na área da Saúde, mas também como mulher socialmente interventiva e convicta, intimida ou inspira?
Catarina Gouveia: As duas. Intimida porque se espera sempre mais, e inspira porque queremos seguir o exemplo. Trabalhei com a minha mãe diretamente, durante um ano no Hospital Fernando Fonseca. Estava no segundo ano do internato. Foi uma experiência estranha, esta sim intimidante, foi difícil deixar de ser vista como filha da chefe e começar a ser avaliada como a interna Catarina. Na Estefânia nunca senti essa pressão.
Pediu muitas ajudas à mãe Pediatra? Ou quase nenhuma para não mostrar fragilidade?
Catarina Gouveia: Muitas. No consultório trabalhámos muitos anos lado a lado e é frequente discutirmos doentes. Sempre que escolho um caminho na pediatria é a ela a quem recorro primeiro. É gestora como ninguém.
A mãe sabe sempre mais do que nós a vida toda?
Catarina Gouveia: Humm!! Talvez não! Sabe, nesta família as mulheres têm uma personalidade muito forte. Achamos que sabemos sempre muito e quase tudo.
Um bom Pediatra tem sempre que ser mãe ou pai?
Catarina Gouveia: A mim ajudou-me muito. Acho que muda a perspetiva. Mas conheço excelentes pediatras que não têm filhos. Não podemos generalizar. Tenho uma colega que desistiu da pediatria quando teve um filho. Dizia-me: sabes, deixei de conseguir olhar para uma criança doente. Mais tarde optou por outra especialidade. Era uma excelente pediatra.
O que sentiu na última aula dada pela Maria do Céu Machado que, por acaso, até é a sua mãe?
Catarina Gouveia: Apreensão, pela responsabilidade, e orgulho pelo exemplo e qualidade.

Catarina com a mãe a irmã Mariana
Joana Sousa
Equipa Editorial