Quem são os rostos atrás de um PhD
On 17 Junho, 2019 2019 | Eventos Comentários fechados em Quem são os rostos atrás de um PhD Etiquetas:tileA Faculdade de Medicina recebeu ainda há pouco tempo a visita do Ministro da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior, Manuel Heitor, que veio dar início à 13ª edição do Encontro Anual de Estudantes de Doutoramento do CAML, oficialmente o XIII Annual CAML PhD Students’ Meeting.
Foi num breve contacto com a organização, sempre assumida pelos estudantes que estão a fazer o seu doutoramento, que conheci o Filipe Cortes Figueiredo. Comunicativo, espontâneo e não menos formal quando a agenda assim o exige, pedi que fizesse o balanço dos dois dias de um já prestigiado Encontro que reúne não só grandes nomes da Ciência e da Saúde em Portugal e onde muitos deles residem no CAML, mas serve de montra ao que de melhor se faz na Ciência do mundo.
Falar com alguns dos elementos desta comissão organizadora é a melhor forma de sentir o pulso à qualidade de um Programa Doutoral que tem a nossa marca.
Organizado e tão ágil quanto metódico, o Filipe acedeu ao convite e trouxe com ele outro forte elemento da equipa, a Eunice. Um médico que também quer ser cientista e uma cientista que quer continuar a desafiar o saber da medicina, não podia ser uma dupla mais enriquecedora e excelente amostra das pessoas que constituem o PhD.

Filipe Cortes Figueiredo
Filipe Cortes Figueiredo tirou o MIM na Faculdade de Medicina. Em junho acabava o curso de Medicina e, em outubro de 2015, ingressava no Doutoramento sobre Imunometabolismo e sequenciação de ADN mitocondrial, em doentes com Esclerose Múltipla, na mesma Faculdade. A acabar o 4º ano de Doutoramento, sob a orientação da Doutora Vanessa Morais do iMM, tem a vantagem de conhecer bem a perspetiva translacional, onde a clínica e a investigação precisam uma da outra para saírem mais fortes.
Desde sempre muito envolvido nos grandes acontecimentos académicos, Filipe integrou sempre projetos que lhe exigiam mudar, acrescentar valor, fez parte da 4ª equipa do AIMS Meeting e integrou a Associação de Estudantes e o Conselho Pedagógico.

Eunice Paisana
Eunice Paisana licenciou-se em Biologia Celular e Molecular na Nova e estagiou no iMM, onde aprofundou os conhecimentos em Artrite Reumatóide.
Não foram os estágios no grupo do Professor João Eurico que fizeram com que Eunice e Filipe cruzassem caminhos, estes iriam fortalecer os laços na Comissão Organizadora do PhD Student’s Meeting de 2019 e através de amigos comuns de um mundo científico que afinal é pequeno. Mas acabemos de falar da Eunice.
Percebeu que gostava de seguir o caminho da Oncologia e Imunologia, formando-se em Nothingham em Cancer Imunology. Foi só após que decidiu candidatar-se ao Programa Doutoral do LisbonBioMed, onde está. Cumpre o 3º ano de Doutoramento com um projeto sobre metástases cerebrais, com a Doutora Cláudia Faria. A possibilidade desta ligação igualmente translacional como a do Filipe permite que Eunice tenha acesso a amostras recolhidas do bloco operatório do Hospital de Santa Maria e que as possa investigar no iMM, travando conhecimento com um vasto leque de pessoas da Faculdade.
Foram onze as pessoas que no total formaram a Comissão Organizadora do PhD Meeting (Aparajita Lahree, Bernardo Costa Neves, Eunice Paisana, Filipa Oliveira, Filipe Cortes Figueiredo, Henrique Machado, João Sabino, Marcelo Dias, Marco Cavaco, Raquel Azevedo e Susana Dias), apesar da transversalidade de funções e de não gostarem de protagonismos individuais, Filipe e Eunice assumiram com grande destreza a pasta da Comunicação do evento, servindo de intermediários entre as 3 Instituições do CAML (Faculdade, iMM e Hospital) e interpelando-os para agilizar os meios necessários para pôr a grande roda a girar. O Encontro Anual é a grande roda que acontece pela 13ª vez consecutiva, organizada pela vontade dos seus próprios doutorandos que a cada ano vão fazendo crescer o prestígio e o interesse das sessões que não olham apenas o seu umbigo.
Conseguem destacar-me os principais pilares que explicam a importância deste evento?
Filipe Figueiredo: O ponto principal é ser um espaço onde os alunos de doutoramento podem apresentar os seus projetos no estado exato e real em que estão. Sem terem medo de terem que ser excessivamente formais, recebendo assim feedback da Instituição e onde se vão reajustando no seu trabalho. Isso é muito dinâmico e muito fluído e é o grande foco do Encontro.
E as pessoas gostam de se expor a esse “ponto de situação”?
Eunice Paisana: Eu diria que sim. E que veem estes dias de Meeting como parte integrante do doutoramento que estão a fazer. Estes dias ajudam muito a organizar o nosso trabalho e a discutir, com uma comunidade diversa e de várias áreas científicas, os vários caminhos que se podem seguir. Acontece-nos ter alguém que olhe para o nosso projeto de uma forma que, até então, nunca se tinha visto ou pensado.
Filipe Figueiredo: Faz, aliás, parte do próprio CAML ter uma abordagem translacional da medicina e este tipo de encontro permite, precisamente, essa perspetiva, porque reúne médicos, investigadores básicos e outros especialistas de investigação (research technicians) e que podem dar um feedback muito rico. No meu caso, uma das pessoas que demonstrou maior interesse durante a minha apresentação é um investigador já doutorado que trabalha em malária.
Isso quer dizer que se permitem a estabelecer novas pontes que se tornam comuns para o vosso futuro, é isso?
Filipe Figueiredo: Exatamente isso. E se calhar ninguém diria que haveria pontos de ligação entre nós. Até posso dizer que este é o grande ponto fulcral, criar estes aspetos comuns com outras pessoas.
Eunice Paisana: A diversidade que temos no Meeting permite-nos a discussão muito positiva.
O que é que vos faz escolher um determinado leque de speakers e que são os rostos de cartaz num determinado ano em detrimento de outro?
Eunice Paisana: Tentamos escolher áreas diferentes dentro do leque de palestrantes convidados, e ter sempre uma sessão mais clínica, onde convidámos a Professora Fátima Carneiro, depois temos uma sessão de biologia básica. Este ano apostámos ainda mais em biologia celular, com o Doutor Marino Zerial. Depois tivemos uma sessão mais “out of the box” do Professor Miguel Nicolelis, que veio falar de Neurociências e Regeneração.
Filipe Figueiredo: Ele é muito bom. Veio falar da possibilidade da regeneração da medula espinal após tratamentos intensivos com exoesqueletos e da forma de conseguimos fazer com que pessoas paraplégicas voltem a andar. Coordenou o “The walk again project” e conseguiu pôr um homem paraplégico a dar o pontapé inaugural do FIFA World Cup em 2014. Ele é uma pessoa muito inspiradora.
O que é que um convidado destes sente para vir a um Programa Doutoral, a Portugal, falar?
Eunice Paisana: Do que contactei com o Professor, ele gosta muito de falar com alunos, gosta de passar a mensagem e a sua visão do que é estar na Ciência. Aliás, ele acha que se está a perder um pouco o gozo da investigação pela busca do novo e do que se vai descobrir, onde a preocupação é cada vez mais centrada na vertente de publicar e do que se vai conseguir publicar. Ele ainda é um cientista à antiga.
Filipe Figueiredo: E todos eles se comportam com este empenho. Por exemplo, a Professora Fátima Carneiro tinha uma agenda de muito difícil gestão e disse, logo que recebeu o convite, “eu pelos alunos faço tudo”. A maior parte deles vem por ser para alunos, porque querem falar para eles. Não recebem cachet, têm currículos brilhantes e uma agenda repleta, mas só se for mesmo impossível é que não vêm.
No dia da abertura do Programa Doutoral a Professora Carmo fez questão de referir que ainda há muito poucos doutorandos médicos. Mas depois se olharmos para os dados estatísticos eles dizem-nos que já não são assim tão poucos e que, de um universo de 218, 60 deles são médicos. Ainda assim, o que se continua a passar para termos muito menos médicos a fazer o doutoramento?
Filipe Figueiredo: Não me choca que os médicos não sejam sequer a maioria deste panorama, porque é muito importante haver diversidade. Mas é verdade que não há muitos médicos doutorados em Portugal e isso é algo muito atípico, se olharmos para outros países da Europa, como o Reino Unido, Dinamarca ou Alemanha. Também importa dizer que a estrutura do doutoramento das pessoas que estão a fazer o PhD e que são clínicos, não lhes permite vir ao Encontro, por desencontro de agenda e não por não terem interesse. Muitos destes médicos fazem o doutoramento enquanto trabalham e é muito difícil conciliar tudo. A proteção laboral é muito fraca e muitas vezes nem é cumprida. Conheço muitos médicos que gostariam de ter vindo e que não estavam naquela audiência porque não tinham agenda. É, no entanto, importante dizer que alguns participaram!
Eunice Paisana: Ainda assim, continuamos a apelar a uma maior colaboração dos supervisores. É importante que estes também incentivem os seus médicos a participar no evento e ainda não há esta proteção, nem esta cultura.
Filipe Figueiredo: A forma, aliás, como tentámos envolver estas comunidades foi fazendo um convite à direção do internato médico e também à comissão de internos do CHULN. Mas por razões de agenda essa comparência não foi possível. Contudo, é o esforço desta constante integração que chamará sempre mais pessoas, mesmo que elas não estejam a fazer doutoramentos e queiram só assistir às palestras. O evento é aberto a todos os que tenham interesse em Ciência.
Como é que podemos comunicar melhor este evento para que ele ganhe ainda mais rede? O que podem fazer ainda mais para o melhorar?
Eunice Paisana: Ainda há muito espaço para o melhorar. Falta uma maior interação entre as Instituições que constituem o CAML. O Hospital, a FMUL e o iMM deveriam colaborar mais entre eles para mobilizar a comunidade, deveriam chegar a mais alunos. Penso que a própria comunicação entre eles ainda não flui na perfeição, é muito estanque entre segmentos.
Filipe Figueiredo: Esta reunião ocorre há 13 anos e tendo estado no Hospital enquanto aluno do 6º ano, estando agora a fazer investigação no iMM e tendo sido aluno de medicina na FMUL, facto é que sinto uma grande distância logo no parque de estacionamento que separa o Hospital do Edifício Egas Moniz. Isso marca uma distância que não se sente só entre parques, mas também entre Instituições. O próprio CAML, que já existe em decreto-lei desde 2009, ainda precisa de estreitar esta aproximação entre pilares.
Nova Comissão inicia trabalhos, que pontos destacam a merecerem ainda mais desenvolvimento?
Eunice Paisana: Primeiro a destacar é o tema da avaliação, nós entendemos que a avaliação como está a ser feita neste momento (constituída por Group Leaders e Pos-Doc do iMM, e um sistema de avaliação, de 0 a 5) não permite uma comparação direta entre os alunos avaliados em diferentes sessões. Sugerimos então à direção do iMM a criação de comissões de avaliação por ano de doutoramento, e com isto uniformizar a avaliação, sendo que, em caso de empate, esta comissão seria a responsável por resolvê-lo. Parece-nos que pode ser uma solução mais justa.
Filipe Figueiredo: O segundo ponto é uma maior integração e envolvimento do próprio CAML, que ainda tem muito espaço para melhorar, principalmente o envolvimento do Centro Hospitalar, como já explicámos anteriormente.
O Filipe disse-me que quer mesmo ser um clínico investigador. Neste país é possível, ou como diz o Prof. Rui Victorino, são uma espécie em vias de extinção?
Filipe Figueiredo: É difícil. E eu espero contribuir para manter essa espécie viva, mas falta a proteção laboral e aí a investigação passa para último plano. Mas mesmo que seja em horário pós-laboral, eu não vou largar a investigação.
O tempo marca metas também nas pessoas. Para já, o que espera a Eunice é mais um ano e meio de doutoramento e por aqui vai continuar, desejando inclusivamente fazer em seguida um pós-doutoramento no iMM. Sabe que de uma forma ou de outra, com o foco mais afinado num campo ou noutro, será a investigação científica que vai seguir sempre.
Já o Filipe regressará em 2020 à clínica e, mais tarde, pretende ingressar na especialidade. Sabe que quer áreas médicas, talvez seja a Neurologia que mais o arrebata, mas não fecha portas e aceita diversos caminhos como hipóteses de paixões a serem trabalhadas. No entanto, sabe que depois de cumprida a especialização voltará à realidade da investigação, integrando talvez nessa altura um Pós-doutoramento clínico.
Cumprida ficou a missão de constituírem a comissão organizadora, depois de arregaçarem as mangas e de terem colocado a mão à obra, deixam agora um legado e recados aos que se seguem e aos que ainda ficam.
Diria que é quase certo que os continuaremos a ver e a saber que causam efeito em tudo o que farão. Esperemos que sim!
Joana Sousa
Equipa Editorial