Dia Internacional da Mulher – 8 de março
By Cristina Bastos On 29 Março, 2019 2019 | Do Passado ao Presente Comentários fechados em Dia Internacional da Mulher – 8 de março Etiquetas:sliderAo longo dos séculos a mulher procurou sempre mais ou menos discretamente manifestar-se contra as condições sub-humanas em que viviam, o baixo salário que usufruíam em comparação com os dos homens e a discriminação exercida pela sociedade, como refere a escritora britânica Mary Wollstonecraft na sua obra em “A reivindicação dos direitos das mulheres”, publicada em 1792.

Folha de rosto “A reivindicação dos direitos das mulheres”, 1792
Estes movimentos tomaram contornos com maior notoriedade a partir da manifestação ocorrida em Nova Iorque no ano de 1857, onde as trabalhadoras fabris demonstraram o seu desagrado contra as horas excessivas de trabalho, aliadas às más condições das fábricas e aos baixos salários, reivindicando mais direitos e melhores condições nos seus locais de trabalho e ainda o direito ao voto.
Decorria o ano de 1909, quando foi festejado no dia 28 de Fevereiro, pela primeira vez o Dia Internacional da Mulher. Faz este ano 110 anos.

Dia Internacional da Mulher, 1909
Este dia começou por ser comemorado no último domingo de fevereiro, mas a alteração da data foi proposta pela revolucionária alemã Clara Zetkin, durante uma conferência das organizações socialistas realizada em Copenhaga, sugerindo o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher. Esta data foi escolhida em homenagem à manifestação realizada em 1917, que juntou cerca de 90 mil pessoas, tendo sido organizada pelas mulheres russas que reivindicavam melhores condições de vida.

Clara Zetkin (à esq.)
No entanto, apesar do dia 8 de Março ser comemorado em todo o mundo já há alguns anos, só em 1975 foi proclamado oficialmente pela ONU. Em 1979 foi aprovada a Convenção para extinguir a discriminação, relembrar as conquistas já conseguidas pelas mulheres e incentivá-las a continuar a lutar pela igualdade dos seus direitos.
A MULHER ATRAVÉS DOS TEMPOS
Numa forma global e ao longo dos séculos, algumas atividades como a medicina, a eclesiástica, o direito ou a militar eram consideradas exclusivamente masculinas. No que diz respeito à medicina, esta era mesmo considerada imoral quando exercida por uma mulher, embora seja conhecida já desde a Idade Média a colaboração da mulher na área da saúde como enfermeira, função exercida muitas vezes por elementos das ordens religiosas através do cuidado aos doentes e como parteiras.
No Antigo Egito
No Antigo Egito verificamos que as profissões eram acessíveis tanto a homens como a mulheres, incluindo as atividades religiosas, na administração, negócios e medicina. As mulheres tornaram-se grandes especialistas em diversas áreas do conhecimento, nomeadamente na medicina.
Calcula-se que a primeira mulher médica em todo o mundo tenha sido Merit Ptah que viveu no ano 2700 a.C., descrita como “A Médica-Chefe”, praticava a ginecologia e a obstetrícia.

Merit Ptah
Também uma das médicas mais conhecidas no Antigo Egito foi Peseshet. Pensa-se que tenha vivido entre 3100-2100 a.C., considerada como “Supervisora dos doutores ou Chefe dos doutores”.
Na Idade Média
Na Idade Média sabemos da existência de uma Escola em Salerno onde as mulheres eram admitidas no curso de medicina. Também Trota de Salerno, considerada a primeira ginecologista conhecida, escreveu vários tratados que foram fundamentais para os tratamentos médicos de mulheres e que foram seguidos ao longo de 400 anos. Chegou ainda a fazer algumas cesarianas correndo enorme risco tanto para as mães como para as crianças. Faleceu em 1097.
Na Idade Contemporânea
Durante os seculos XVIII e XIX algumas das mulheres mais corajosas e ambiciosas, conseguiram apesar de algumas dificuldades, derrubar, contornar e ultrapassar os vários obstáculos e preconceitos, provocando umas vezes admiração e noutras repúdio, nas sociedades onde estavam inseridas.
É o caso da alemã Dorotea Cristina Erxleben, a primeira mulher que em 1754, recebeu oficialmente o diploma de médico na Universidade de Halle, cujo feito provocou uma enorme admiração em toda a Europa.

Dorotea Cristina Erxleben
Pelo contrário nos Estados Unidos, em 1809, as primeiras estudantes matriculadas num Colégio Médico na Pensilvânia, foram vítimas de insultos e desrespeito por parte dos seus colegas masculinos.
Pela mesma altura, em Edimburgo, as primeiras estudantes do curso médico foram insultadas e agredidas pelos discípulos masculinos. Consideradas, posteriormente culpadas pelas perturbações, foram expulsas e apelidadas pela imprensa da época de “as sete sem-vergonha”.
Talvez por influência da lenda de Agnodice (médica grega mascarada de homem que viveu no séc. IV a.C.) formou-se em 1812, em Edimburgo, o médico James Barry que exerceu no exército inglês e foi médico militar nas colônias inglesas durante largos anos. De estatura franzina e de voz fina, só após a sua morte que ocorreu 1865, soube-se que afinal era uma mulher.

Mulheres estudantes de medicina durante uma dissecção, século xix.
E em Portugal
Também no nosso país, sobretudo nos princípios do séc. XX, houve mulheres que fizeram a diferença. Tomaram posições na sociedade, lutaram pelos seus direitos e deram entrada em profissões que eram dominadas até então pelos homens. Vamos falar muito sucintamente de algumas delas.
Elisa Augusta da Conceição Andrade (1855-?)
Elisa Augusta da Conceição Andrade é considerada a primeira médica portuguesa.
Pensa-se que foi a 1ª mulher a frequentar o ensino superior e a formar-se em Medicina. Em 1880, com 25 anos matriculou-se na Escola Politécnica de Lisboa (posteriormente Faculdade de Ciências da Univ. de Lisboa), e terá terminado os seus estudos 1890.
Carolina Beatriz Ângelo (1871 –1911)
Natural da Guarda, além de médica foi a primeira cirurgiã no nosso país e a primeira a exercer o direito de voto nas eleições realizadas em 28 de Maio de 1911, após a implantação da República, evocando a sua qualidade de chefe de família, pois era viúva e mãe.
Regina Quintanilha (1893-1967)
A primeira mulher a licenciar-se em Direito e a exercer a advocacia, ainda antes do decreto de 1918, que consagrou a abertura da profissão às mulheres.
Estreou-se no Tribunal da Boa Hora em 1913, após autorização do Supremo Tribunal de Justiça.
Adelaide Cabete (1867-1935)
De origens humildes, frequentou a Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, já adulta e por incentivo do marido. Teve como seus mestres figuras ilustres da medicina, os Professores Alfredo da Costa, Miguel Bombarda e Curry Cabral.
Terminou a licenciatura de Medicina em 1900, defendendo a tese “A protecção às mulheres grávidas como meio de promover o desenvolvimento físico das novas gerações”. Foi professora, médica, republicana e a primeira a reivindicar os direitos das mulheres, como o voto e um período de descanso de um mês após o parto.
Ana de Castro Osório (1872-1935)
Foi uma das fundadoras do Grupo Português de Estudos Feministas, em 1907, da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, em 1909, e da Associação de Propaganda Feminista (a primeira organização sufragista portuguesa), em 1912. Integrou a International Women Suffrage Alliance.
Escritora, com uma vasta obra literária, é considerada a criadora e tradutora da literatura infantil em Portugal.
Também se notabilizou como ativista e pedagoga, escreveu em 1905 “As Mulheres Portuguesas”, considerado o primeiro manifesto feminista português. Participou na elaboração da lei do Divórcio de 1910, com o Ministro da Justiça.
Em 1919 foi condecorada com a Ordem Militar de Sant’Iago da Espada e em 1931 com a Ordem Civil do Mérito Agrícola e Industrial.
Cesina Bermudes (1908-2001)
De seu nome completo, Cesina Borges Adães Bermudes, nasceu em Lisboa em 1908 e aqui faleceu em 2001.
Seu pai, Félix Bermudes, escritor e dramaturgo, “um dos portugueses mais conhecidos do seu tempo”, foi uma grande referência e admiração na sua vida. Já aos 11 anos referia que queria ser médica, certamente por influência do seu tio materno Lacerda e Melo, que a terá despertado para esta profissão contando-lhe “o que era ser médico de aldeia” e o de dar consultas de forma gratuita.
Após a licenciatura em Medicina em 1933, foi assistente de Anatomia e Clínica do Prof. Henrique de Vilhena nos HCL. Em 1947, foi a pioneira em Portugal ao concluir o doutoramento em Medicina, “ainda por cima em Anatomia, frisava Cesina Bermudes com orgulho e malícia”.
Introduziu e divulgou no nosso país, através da formação a parteiras e formadoras do parto psicoprofilático (parto sem dor), após ter frequentado um curso, em 1954, sobre partos em Paris.
Teve um papel proeminente na Resistência antifascista. Nos anos 40 do século passado, envolveu-se politicamente tendo assinado as listas do Movimento da Unidade Democrática em 1945. Ainda apoiou a candidatura de Norton de Matos. Por integrar a Comissão Central do Movimento Nacional Democrático Feminino, foi presa em finais de 1949, tendo sido libertada no início de 1950. Por se opor ao salazarismo, foi impossibilitada de lecionar na Faculdade de Medicina de Lisboa, tendo de recorrer ao ensino da Puericultura em diversas escolas industriais.
Além de ter sido campeã de natação, participou ainda em corridas de bicicleta e de automóveis.
Foi membro da Sociedade Anatómica de Portugal e da Sociedade Anatómica Luso-Espanhola-Americana. Pertenceu ainda à Sociedade Teosófica de Portugal, pelo que acreditava na reencarnação e optou pela alimentação vegetariana.
Encontra-se à entrada da FMUL, no Piso 01, um quadro do brilhante pintor Américo Marinho onde está representada Cesina Bermudes, única figura feminina, para além dos ilustres professores Henrique de Vilhena, Corino de Andrade, Pedro Mayer Garção, Victor Fontes, Barbosa Sueiro e Cid dos Santos. Esta obra, propriedade do Instituto de Anatomia, com o título “Médicos Observando”, sem data, provavelmente inacabada e desenhada a carvão sobre tela, representa uma lição de anatomia.
No dia 6 de Março deste ano, a RTP 2 transmitiu um documentário sobre a vida e obra da Dra. Cesina Bermudes, veja Aqui
Lurdes Barata
Equipa Editorial
Referências consultadas:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Cesina_Bermudes
http://cnncba.blogspot.com/2010/09/medicina-e-mulheres-no-antigo-egito.html
http://books.scielo.org/id/8kf92/pdf/rezende-9788561673635-14.pdf
https://portugaldeantigamente.blogs.sapo.pt/a-primeira-medica-portuguesa-32869