Helena Cortez Pinto – A visão alargada dos benefícios de se formar bons Nutricionistas
On 24 Julho, 2018 2018 | Reportagem / Perfil Comentários fechados em Helena Cortez Pinto – A visão alargada dos benefícios de se formar bons Nutricionistas No tagsA sua área de interesse por excelência é o fígado.
Helena Cortez Pinto é médica Gastroenterologista, com especialidade em Hepatologia é também Professora de Medicina da Faculdade.
Num mês em que dedicamos a Newsletter ao lançamento da nova Licenciatura de Ciências da Nutrição, quisemos conhecer os mentores deste inovador projeto e ir atrás do passado que explica o que hoje faz a Faculdade de Medicina voltar a apostar na formação de Nutricionistas, mas com uma nova abordagem.
No balanço entre as raízes do que se traz do passado e tendo em perspetiva o trabalho de campo para o futuro, fomos conhecer a Professora Helena Cortez Pinto, o oráculo da Gastro que serve de conselheira nacional e internacional e que deseja ter, nos próximos anos, bons Nutricionistas que a ajudem a prevenir doenças potenciadas pela má alimentação.
Coordenadora na fase final da antiga Licenciatura de Dietética e Nutrição da Faculdade, Helena Cortez Pinto herdou um curso planeado e criado pela Professora Ermelinda Camilo que entretanto se reformara. Quando recorda esse tempo diz que não foi o período mais fácil para si “porque havia uma disputa entre os Dietistas e Nutricionistas”. Os alunos que se licenciavam nessa altura pela Faculdade de Medicina ficavam profissionalmente com alguma incerteza se eram Dietistas ou Nutricionistas e isso deixava-os preocupados com as perspetivas profissionais. “Só depois de muitas negociações, ainda na altura da Direção do Professor José Fernandes e Fernandes, e com a Ministra Ana Jorge, que sempre agiu de forma exemplar nas negociações, acabou por se alcançar o estatuto equiparado a Nutricionistas, o que lhes permitiu seguir um percurso profissional mais definido”.
Nos anos que se seguiam a distinção entre um grupo profissional e outro acabaria de vez e designava-se apenas de Nutricionista aquele que concluísse formação específica na área da Nutrição. “Criou-se uma Ordem dos Nutricionistas e ficou acautelado que quando os alunos acabassem a Licenciatura poderiam concorrer à Ordem”.
Foi a vontade do atual Diretor Fausto J. Pinto, que se aconselhara com Helena Cortez Pinto, que juntou o último dado na mesa para que o jogo se tornasse perfeito. A Faculdade de Medicina já mantinha laços à ESTeSL através do Mestrado comum em Nutrição Clínica e agora precisava de avançar e criar uma nova Licenciatura que respondesse a tantas solicitações.
Helena Cortez Pinto trazia a experiência clínica e a visão do que não resultara tão bem no passado curso e sabia que era preciso uma Nutricionista, ligada em exclusivo à Nutrição, para dar o rumo certo à criação da nova Licenciatura. Lisboa só tinha uma opção privada de Licenciatura e um Politécnico como opção pública, o momento para uma Licenciatura no ensino público, ou seja, na Faculdade de Medicina, era o certo e foi isso que o Diretor Fausto J. Pinto previu. “A Professora Catarina Sousa Guerreiro vinha da ESTsEL e tinha feito o seu Doutoramento aqui connosco (Faculdade), tinha o perfil perfeito para poder concorrer a um lugar aqui e como tinha muito boa impressão dela, sugeri-a ao Prof. Fausto. Foi ela que depois definiu o programa e fez a proposta ao A3E’s (Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior) para validar a Licenciatura. E foi aceite”.
Enquanto Professora, Helena Cortez Pinto ficará com funções de acompanhamento da licenciatura, através de uma comissão da licenciatura e ainda com a coordenação de algumas disciplinas clínicas nas Ciências da Nutrição. Mas seria redundante falar só deste seu papel de Professora dentro da Faculdade de Medicina de Lisboa. Diretora da Clínica Universitária de Gastroenterologia é a responsável pela disciplina optativa de Gastro pela Área Disciplinar de Patologia Digestiva, e ainda pela formação em Patologia Digestiva, da disciplina de Medicina do 5º ano que tem grande componente prática e interação com os doentes.
Ainda responsável pela coordenação do Laboratório de Nutrição, no edifício Egas Moniz, faz investigação especialmente do fígado gordo alcoólico e não-alcoólico. Aposta sobretudo nos projetos clínicos e recebe estagiários da Ordem dos Nutricionistas que vão aplicando os propósitos clínicos dos projetos. Diz que faz menos “trabalho de bancada”, mas que ainda assim os que faz são em cooperação com a Faculdade de Farmácia.
Desde 2015 que é Conselheira política para os assuntos da União Europeia dentro da Associação Europeia para o Estudo do Fígado, a EASL – European Association for the Study of the Liver – o seu objetivo é desenvolver atividades, maioritariamente em Bruxelas, influenciando o poder político e no sentido de minorar os efeitos das doenças que atinjam o fígado. Problemas relacionados com a nutrição e o álcool fazem com que esta equipa de trabalho tenha criado aquilo a que se chama de policy statements, ou seja, uma declaração política que alerte os responsáveis europeus para as patologias ligadas ao fígado. “Por exemplo em relação ao fígado gordo, fazemos uma breve introdução do que significa aquele problema e depois criamos mensagens para alertar para os problemas e traçar algumas medidas quer nacionais, quer europeias”.
Também já tendo sido Presidente da Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado (APEF), Helena Cortez Pinto sabe que mais do que tratar, a grande mudança está em prevenir. Iniciar uma Licenciatura de Ciências da Nutrição é o passo de prevenção que estava a faltar.
Professora, que mudanças estruturais verifica desde o curso de Dietética que coordenou, para este que agora nasce com o nome de Ciências da Nutrição?
Helena C Pinto: A licenciatura agora criada pretende ser mais abrangente. Não é tão focada na área clínica, apesar de ter as cadeiras básicas clínicas como a Anatomia, a Fisiologia, mas pretende formar um Nutricionista que passou agora a ser uma designação única que inclui os dietistas e nutricionistas e que irão desenvolver as suas atividades em áreas tão diversas quanto a indústria alimentar, a saúde pública, ou a restauração para além da parte clínica, quer a nível hospitalar, quer dos centros de saúde. Assim, o aluno é muito diferente do que procurava a anterior licenciatura. Não se podia mais fazer apenas uma formação só focada na área clínica.
Isso quer dizer que o aluno também não é exatamente o que era no passado?
Helena C Pinto: Acho que no passado eles estariam mais virados para a vertente mais clínica e apenas isso. Era a ideia que quando se terminava o curso, se ia trabalhar para um hospital, marcar dietas para os doentes e dar aconselhamento desse ponto de vista. Mas passaram mais de 10 anos e atualmente o conceito mudou e passou a ser mais generalizado, com maior diversidade, incluindo as atividades na indústria alimentar ou de saúde pública. Penso que, atualmente, quem escolhe esta profissão pode nem pensar em ir ver doentes e pode querer focar-se mais numa perspetiva mais global.
As grandes indústrias alimentares como a Nestlé, ou o grupo Macdonald’s, pedem aconselhamentos alimentares, pelo menos querem avaliar como podem tentar ter menos malefícios e precisam de entendidos. Esta área da Nutrição está numa constante mudança, há uns 40 anos o azeite era mau para a saúde e os óleos mais benéficos, hoje, se reparar, já mudaram estes conceitos, aquilo que se acha mau hoje em dia, se calhar daqui a uns anos terá de novo outra perspetiva. Também as indústrias da restauração precisam de bastante aconselhamento. E até em termos de saúde pública passou a haver uma preocupação muito maior. Tenho noção que eu, quando andava no liceu não tinha estes cuidados alimentares, ninguém ligava ao que comíamos na escola, hoje não é assim. Mas sabe por que razão agora há tanta preocupação? Porque a dieta das pessoas passou a ser muito pior. A alimentação é muito mais artificial e baseada em produtos muito processados, as pessoas pouco cozinham em casa com produtos naturais e depois há um acesso enorme a produtos processados e a bebidas açucaradas e perante isso eu acho que há que contrapor. Por isso veja a abrangência destes novos profissionais.
Mas eu não serei livre e maior de idade para escolher o que quero consumir?
Helena C Pinto: Sim, eu tenho ouvido essa discussão, que é da decisão individual de cada um escolher o que come, ou o que bebe, mas o que eu acho é que não é da decisão individual a maneira como a pessoa é bombardeada por todas as “más influências” alimentares e, portanto, tem que haver uma contrarreação e algum bombardeamento de boas influências. Em termos de saúde pública há um grande papel para os Nutricionistas desenvolverem a sua atividade.
Saiu agora no mês passado um artigo, também assinado pelo Secretário de Estado da Saúde, o Dr. Fernando Araújo, em que se verifica que o aumento da taxa sobre as bebidas açucaradas levou a uma redução muito marcada do consumo das mesmas. Consomem-se menos 5 mil toneladas de açúcar, é uma coisa extraordinária. Claro que ainda não se conseguiu demonstrar se isso tem um efeito sob a saúde em Portugal, mas reduziu-se o consumo porque as empresas reduziram as doses de açúcar. Ora, uma campanha não teria metade deste efeito. O mesmo se aplica ao álcool, só aumentando preços se reduzem consumos, nunca é apenas a tentar sensibilizar. A Nutrição, como vê, hoje é muito mais sociopolítica do que clínica só.
Responsável pelas cadeiras das Ciências da Saúde e sendo coordenadora do Mestrado em Nutrição Clínica, vê nesta nova Licenciatura um complemento ao que já leciona, ou um caminho totalmente paralelo?
Helena C Pinto: Vejo esta Licenciatura mais como o caminho paralelo, mas em que o Mestrado poderá vir a constituir-se como um complemento, podendo no entanto vir a necessitar de alguma reestruturação no sentido de vir a funcionar como especialização. E dessa forma podemos dar mais do que uma perspetiva de saída profissional, poderíamos até tornar o Mestrado mais clínico, já que a preparação da Licenciatura foi noutro sentido. A parte clínica continua a ser muito importante e tem dois caminhos, um deles é na intervenção terapêutica, nos doentes que já têm doença, o outro é do ponto de vista preventivo, um exemplo é perceber até que ponto uma determinada dieta se pode associar ao desenvolvimento de pólipos ou divertículos no intestino.
Queria chegar precisamente aí. Os seus doentes aumentaram devido a um acréscimo de patologias ligadas ao intestino irritável? E isso terá ligação à alimentação que têm?
Helena C Pinto: A patologia mais óbvia e que responde a isso é o fígado gordo, ou seja, a gordura no fígado. Há 30 anos nem dávamos por estas doenças e agora aproximadamente 31% da população portuguesa tem fígado gordo, nas crianças anda por volta das 10% e isso pensa-se que tenha ligação à prevalência da obesidade. Mas respondendo à sua pergunta, não tenho dados científicos que me digam que há mais doença intestinal hoje em dia pela alimentação que fazem. Mas sabe que o intestino irritável tem muito a ver com fatores psicológicos e com stress?
Para uma Médica de Gastro é fácil aceitar que há algo emocional, que não é palpável, que controla o intestino que é notoriamente físico?
Helena C Pinto: No caso de intestino irritável está muito bem demonstrado, na doença inflamatória do intestino já não está tão bem provado, mas está demonstrado que pode agravar existindo stress. Nós só ainda não sabemos quais são os mecanismos que levam o cérebro a dar essas ordens ao intestino. Veja um exemplo que todos nós já passámos por ele, aquela dor de barriga antes de um exame ou de algo importante, é motivado por algo emocional.
Num sentido muito transversal e como fecho de conversa, podemos afirmar que se formarmos bons Nutricionistas, eles serão seus aliados para que se evitem tantos doentes gástricos?
Helena C Pinto: Acho que sim porque estamos a melhorar a prevenção. No passado estava tudo virado para o papel do médico, hoje em dia se calhar até os arquitetos deveriam ter formação, porque as cidades precisariam de outras estruturas para dar mais qualidade de vida às pessoas, e assim prevenir doenças. Uma das causas do fígado gordo é a falta de atividade física, as pessoas acham que resolvem esse problema indo ao ginásio, as que vão, mas não é só assim, a forma como vamos para o emprego, o trânsito e as estruturas para nos deslocarmos é que complicam muito a nossa qualidade de vida. Quem é que vem a pé para o emprego? Quase ninguém, porque há maus acessos, na maior parte das vezes. Outra coisa que estamos a fazer já e que pretende ter a longo prazo menos doentes é o trabalho com as Câmaras do nosso país, neste momento estamos a criar protocolos com Sintra – “Sintra Cresce Saudável” – e com Lisboa. As crianças são o nosso foco porque elas ganham hábitos alimentares muito cedo e esses hábitos vão depois manter-se pela vida fora e acredite que, às vezes, esses hábitos são terríveis e muito difíceis de mudar. Aquilo em que apostamos é que se fizermos um grande investimento em mudar os hábitos alimentares das crianças, então podemos ter grandes resultados. E é por aqui que vamos continuar a trabalhar.
Joana Sousa
Equipa Editorial